Esta pergunta seria genérica, com diversas possibilidades de argumento para respostas afirmativas ou negativas. Enquanto título de uma nova canção, que não indaga mas afirma, tais palavras trazem leveza e esperança, defendendo um propósito que contribui para a reflexão de um novo formato de revolução que começa a se desenhar: uma revolução não-violenta.
Sabemos que a música tem o poder de influenciar gerações. Haja visto a banda de rock The Beattles que, com estilo inovador, revolucionou o cenário mundial nos anos 60. Observando tal influência pela lente individual, adolescente nos anos 80 e sem ter tido prévia referência das canções de protesto das décadas anteriores, eu fui motivada a desejar que houvesse uma revolução em nosso país por causa das músicas que eu ouvia, de bandas como Legião Urbana, RPM e Titãs.
Eu não tinha qualquer conhecimento histórico, sociológico ou político para entender isso que eu desejava. Mas eu tinha sentimentos. E eu sabia o que eu sentia quando eu ouvia aquelas músicas e reconhecia o que se passava em meu país. Havia preconceitos de toda natureza e eu sentia um desconforto enorme… Havia seca e fome no nordeste; eu me via privilegiada por ter comida na mesa…eu queria partilhar o que tinha… eu sentia compaixão. Havia uma gritante desigualdade social e eu sentia que a injustiça destruía o belo que havia no Brasil.
Os sentimentos de desconforto, compaixão e injustiça me conectaram com o rock brasileiro da época. Entendi que o que eu queria tinha nome, chamava-se “revolução”. Eu queria lutar contra tudo aquilo que eu via acontecer no país -e que me fazia sentir vergonha de ser brasileira. Mais tarde, na faculdade, eu conheci e me identifiquei com as antigas canções de protesto, mas também descobri que revolução era um ato impregnado de violência. Passei a querer e praticar um tipo de manifestação que evitasse o embate. E o termo revolução ficou para mim guardado na memória da adolescência e nas canções.
Pessoas da minha geração costumam dizer que as últimas décadas deixaram órfãos de referências musicais que inspirem sentimentos revolucionários, os adolescentes em geral (principalmente os das classes dominantes). Canções de protesto ficaram mais restritas a grupos, ou “tribos” como Hip Hop (Rap) e Funk (alguns MCs), que trazem para as rádios e web a problemática da desigualdade social e revelam a vulnerabilidade do povo marginalizado. Por isso, tais estilos enfrentam preconceito até mesmo entre jovens da periferia.
É possível que tenha faltado opções a um enorme grupo de pessoas dessa geração de brasileiros que viveu adolescência a partir do ano 2000, músicas de protesto com as quais pudessem se identificar e desenvolver reflexões em torno de temas socias e da coletividade. Há indícios disso no comportamento individualista que predomina em nossa sociedade e nas jovens famílias que viveram essa lacuna, quando já não era moda participar de grupos de jovens e nem tampouco de manifestações políticas. Sorte tiveram os que receberam da família referência das canções revolucionárias de todas as épocas, uma vez que a disseminação delas pela mídia ficou bastante restrita.
A novidade que me motiva a escrever este texto foi o agradável prazer de ler esta sinopse sobre o lançamento de um novo grupo musical, paulistano, com potencial para alcançar públicos variados: “Em um mundo conectado, não podemos esquecer que a verdadeira transformação se faz no presente e na luta por um mundo menos alienante, menos individualista e com mais espaço para nossa reflexão. Dentro disso, a educação, não aquela domesticadora e tecnicista, mas sim uma libertadora centrada na humanização é cada vez mais necessária para o despertar da nossa comunhão e de uma mente mais livre!”
“Somos livres”* é o nome da nova canção que ouvi. O videoclipe, apesar de simples, apresenta cenas e situações cotidianas que podem causar identificação aos jovens desta geração. A banda Versa Libertália revela ter um propósito revolucionário bem definido. Tanto é que o trio, formado por Maria Milanez (vocal), Luis Haruna (violão/trompete) e Fábio Bottaro (guitarra) elaborou a “carta de princípios” do grupo, como fazem as sérias instituições. Inspiram-se na liberdade, no coletivo e na educação. Desta forma, trazem esperança aos corações brasileiros e um espírito de luta pautado na silenciosa e imprescindível revolução de “ser livre para transformar o mundo”.
Neste período de quarentena reflito sobre a tão urgente e adiada revolução e concluo que se “um mundo novo está surgindo”, como dizem, ele só pode estar sendo gerado nas entranhas de um modelo novo de revolução, diferente de todas as outras que a História já registrou. Uma revolução pacífica, feita no convite diário, nas relações singelas entre pessoas que se educam em cooperação… Que simplesmente sentem que algo precisa ser feito e que essa transformação pode começar a partir delas, pois compreendem que “não estão sozinhas, mas apenas espalhadas”.
*https://www.youtube.com/watch?v=TpccQiqmAHo&feature=youtu.be