O que se espalha entre nós além do vírus?

Que tal aproveitarmos a pausa e olharmos com atenção para o nosso futuro comum?

Durante todo o mês, em especial nas últimas semanas, quando os brasileiros passaram a ser, aos poucos, confinados em suas casas, parece não haver outro assunto em pauta além de coronavírus. A proposta deste texto é mudar um pouco o foco, na medida do possível, buscando olhar para o mundo em outra perspectiva. Como já sugeria o economista e ambientalista Hugo Penteado no início deste século, proponho olhar com atenção para o “nosso futuro comum”.

O primeiro passo para finalmente entendermos a necessidade de olhar para esse futuro comum, foi dado na quebra da velha rotina. Se prestarmos atenção ao redor ou olharmos para o céu, ouviremos o som de pássaros e quase não veremos aviões atravessando as nuvens. Nossos antigos hábitos estão se diluindo e outros, incomuns, chegam abruptamente, querendo fazer parte das nossas vidas.

Há risco no ar. Risco de vida, de contágio… risco de falências e perdas. O risco maior, no entanto, parece ser o de sairmos da experiência com a mesma mentalidade com a qual entramos, sem nos deixar tocar pelo óbvio: a Terra mostrando que o “bicho homem”, numa forma de controle desequilibrado, tem sido o mais avassalador dos vírus; causando uma situação insustentável, não apenas às outras espécies como também para a grande maioria da própria população mundial. Se os governantes deste planeta não descerem de seus pedestais baseados no “poder de controle” (ou vice-versa?) e se unirem para salvar “Gaia”, a Terra, nossa casa comum, há o risco de mergulharmos no derradeiro colapso num futuro não muito distante.

Há o isolamento. Não social, mas físico, como nos lembra o sociólogo Ben Carrington. De fato, podemos sentir que nunca houve tanto envolvimento e engajamento social quanto nos últimos dias. Os que não se conformam, resistem à mudança e iludem-se querendo “voltar para um mundo que já não existe mais”, como afirmou o virologista Atila Iamarino (BBC News, 28 de março). Os que se abrem para refletir a respeito do caos coletivo que estamos vivendo, no entanto, e se adaptam à convivência em novos formatos, entendem que emerge uma realidade nova, feita de virgens e infinitas possibilidades.

Há amor no ar. Manifestado por meio de diversas virtudes, o amor faz superar o egoísmo e já leva algumas autoridades governamentais a se dobrarem diante do inevitável: a vida deve estar acima de tudo! Já é possível ouvir discursos de alguns líderes tomados de compaixão, que se mostram realmente preocupados com a classe menos favorecida, ainda mais vulnerável neste momento. Onde estava a compaixão destas mesmas figuras públicas antes da passagem do Covid-19 pelo mundo? -eu me pergunto.

Arrisco responder que a compaixão dessas autoridades era detida pelo magma estagnado da mentalidade cristalizada do grupo a que pertence (seja ele qual for), alicerçada na necessidade quase doentia de satisfazer aos interesses próprios e à manutenção de um sistema que, além de insustentável, é excludente. A compaixão que brota no indivíduo por traz deste ou daquele grupo político, transcende bandeiras e pode contagiar outros, que se juntam pela causa comum. Claro que eu posso estar enganada e tudo não passar de farsa para mais algum tipo de exploração e mecanismo de corrupção. Ainda assim eu prefiro escolher o otimismo por enquanto, afinal, há muito ainda por vir.

Há criatividade no ar. Muitos aparelhos para utilidade emergencial e plataformas de sustentação à atual realidade foram criados em poucas semanas. Estádios e galpões se transformaram em hospitais; containers viraram salas de atendimento… Surgiram também incontáveis grupos de oração e meditação ao redor de todo o planeta, convidando as pessoas a vibrarem em uníssono em favor da vida humana. Têm sido criadas belíssimas manifestações populares, redes de apoio financeiro, equipes de ajuda e canções em gratidão ao “exército” da saúde, que estão na linha de frente desse combate. Por que a criatividade é inerente ao ser humano quando ele é desafiado.

Há esperança no ar. De acordo com o padrão comportamental estudado pelo especialista em Experiência Somática, Ale Duarte, é preciso estarmos organizados quando as emoções de desânimo começarem a emergir, após a primeira fase de contenção, e enfrentarmos o pico da doença no país. É preciso que a população encontre eco em instituições fortes, que lhe transmitam segurança e parceria. O Ministério da Saúde e o Ministério da Cidadania poderão, juntos, representar esse papel. Para isso, urge que se unam e continuem a ter atitudes preventivas assertivas e a mostrar boa vontade no direcionamento das ações de suporte à população mais vulnerável.

E o poder público não poderá ser a única “instituição” a favorecer o equilíbrio emocional do seu povo. O desafio coloca em cheque também o empresariado mais forte, aqueles grandes nomes e marcas que não se abalam estruturalmente com as crises, a estes é chegada a hora de assumirem um propósito que supere o mero lucro e de tomarem decisões econômicas diferenciadas, que certamente lhes garantirá a confiança popular a curto, médio e longo prazo. E nesse tripé institucional, será igualmente imprescindível a atuação das redes colaborativas, representadas pelo terceiro setor e pela população solidária, de modo geral. Parece utópico? Especialmente em tempos de pandemia… considerando que a esperança pode ser a última das virtudes sobreviventes, façamos dela o nosso estandarte, futuramente serão outras as utopias.

Há perguntas no ar. E mais do que procurar culpados para a situação ou investir energia analisando teorias de conspiração, nos quatro hemisférios do planeta há mentes inspiradas, em constante e frequente exercício, raciocinando sobre o futuro da humanidade e buscando soluções plausíveis para essa guerra (e pós-guerra) contra o vírus. Pensamentos criativos potencializam-se diante de uma freada (planetária!) como esta, porque é preciso tempo livre para que as ideias se organizem e as sinapses aconteçam. Não me refiro às consideradas “mentes brilhantes”, aos gênios, mas a todas as pessoas que mantêm o pensamento ativo: estudantes e pesquisadores; artistas e cidadãos comuns dotados de flexibilidade, que aceitam se adaptar e procuram “fazer do limão uma limonada”, como se diz popularmente.

Como todo educador sabe (ou deveria saber) as perguntas são mais importantes do que as respostas, porque são elas as molas propulsoras do conhecimento, bem como das transformações. Por isso afirmo com segurança que muita coisa nova há de surgir depois da quarentena, pois há milhares de pessoas elaborando perguntas nesse momento. Isaac Newton era ainda um estudante universitário quando potencializou o seu raciocínio inventando cálculos, criando fórmulas e padronizando leis que utilizamos até os dias de hoje como referência para o funcionamento do mundo. E ele pensou tudo isso enquanto vivia o isolamento na quarentena da peste bubônica, chamada de Grande Praga de Londres (Fonte: Revista Green Me).

Há vida no ar. Façamos, juntos, com que a nossa existência valha a pena.