O tema “inclusão” tem sido tratado de forma mais natural e ganhado relevância nas discussões, nos mais diversos espaços de convivência. Entretanto, na prática, revela-se desafiador para pais e educadores.
por Helô Bueno
No Brasil, desde o início dos anos 90, como resultado de longos debates, vêm sendo criadas leis e resoluções que possam garantir a inserção de pessoas com necessidades especiais na sociedade, e a isso chamamos “inclusão”. Sobre este tema desafiador, é comum ouvirmos familiares e professores questionando: “Como ensinar meu filho a incluir o coleguinha autista?”, “Por que minha filha tem que esperar o ritmo do colega que tem problema?” “Como evitar o bullying praticado contra os deficientes na escola?” e assim por diante.
Questões como estas são oriundas da estrutura social de exclusão, que ainda está profundamente enraizada em nossa forma de pensar e se faz determinante no contexto educacional. Deste modo, falar de inclusão, portanto, é falar da exclusão.
Exclusão social, segundo A Secretaria Especial dos Direitos Humanos, “é uma forma de violência ao ser ou à dignidade humana, pois impede que um indivíduo exerça a sua cidadania por razões eticamente não justificáveis”.
Quando adjetivamos as crianças de maneira excludente expressamos sutilmente os rótulos: os que não possuem deficiências, inabilidades ou diferenças aparentes são “normais” (e, por isto, melhores?) enquanto os demais precisam de piedade ou caridade. Tolhemos nesses indivíduos sua dignidade e desvalorizamos o seu potencial de desenvolvimento e participação na sociedade.
Faz sentido, e é até mesmo imprescindível considerar que “em tudo há um padrão que explica o mundo” pela ótica das ciências exatas. No entanto, a “impadronizável” subjetividade humana, pensada de maneira equivocada, leva a sociedade a desconsiderar o aspecto subjetivo e buscar padronizar o humano. É assim que nasce o julgamento, elencando categorias que geram competição em ambientes em que seria mais natural que houvesse a cooperação.
Observamos na prática que as crianças que não correspondem a esse “padrão de normalidade” costumam ser naturalmente incluídas pelos colegas quando nós, adultos, não interferimos. Elas brincam entre si independentemente da cor de suas peles, da forma como falam, da classe social a que pertencem ou do seu peso e tamanho.
Querer “ensinar” a inclusão requer, primeiramente, desejar aprender um pouco mais sobre o tema. Ensina-se alguém a “ser”, vivendo o que se pretende ensinar, ou seja, dando o exemplo.
Assim, é possível ensinar “respeito” à criança se lhe oferecemos a oportunidade de conviver em um ambiente onde o respeito prevalece. Já em ambientes homogêneos ou agressivos e alheios a noções elementares de justiça é inútil dizer a ela: “você precisa respeitar as pessoas e ver os diferentes como iguais”. A fala ou conselho não subsidiam esse valor. O mesmo se dá em relação à inclusão.
Aprender para ensinar
Apesar de revelar a existência de rótulos preconceituosos, as questões citadas no início deste texto demonstram também -mesmo que superficialmente – uma vontade de saber, de compreender, de resolver algo que não parece estar indo bem. O indivíduo que questiona está pronto para deixar de excluir, pois se predispõe a mudar a sua forma de pensar, ou seja, demonstra abertura para a mudança de seus paradigmas.
A tomada de consciência por parte do adulto é um ponto fundamental nisso, é o início do percurso para quem compreende a importância do seu papel na sociedade em relação ao tema Inclusão. É preciso perceber-se “não isento” para se dispor a quebrar as próprias intolerâncias e percepções equivocadas, e buscar formas mais horizontais de convivência humana.
A partir disso, todas as questões relacionadas à inclusão vão sendo esclarecidas – e novas vão sendo elaboradas – ao longo da vivência com o outro. Em decorrência disso, o não julgamento, fonte este das exclusões, poderá ser ensinado e aprendido pelas novas gerações, tendo como base de referência o exemplo dos adultos que já não rotulam as pessoas.
Somos iguais ou somos diferentes?
“Somos todos iguais” sim, no âmbito racial: pertencemos à espécie humana. Mas também “somos todos diferentes”, pois cada ser humano é único em sua individualidade e todos temos alguma necessidade especial, considerando a gama dos potenciais humanos passíveis de serem explorados e desenvolvidos. Como menciona em seu livro de poesias o jornalista e doutor em sociologia Guga Dória, somos “Singularidades”.
Tanto o portador de deficiência intelectual quanto o de QI elevado, por exemplo, requerem um olhar atento em seu processo de formação. Isso é necessário para que desenvolvam, cada qual, o potencial de que dispõem como seres humanos plenos e aptos a realizarem suas atividades a partir das habilidades individuais próprias e significativas dentro da organização social.
“Incluir” diz respeito a oferecer oportunidades a todos a partir do senso de equidade, que proporciona a cada pessoa o que ela precisa para se desenvolver. Incluir é reconhecer a diversidade. E reconhecer a diversidade é aceitar que a integração harmônica de cada qual na multidão vem a ser não apenas possível, mas se faz essencial para o futuro da humanidade.
Significa revermos a importância do termo “padrão”, pois quando medida usada para rotular pessoas, torna-se um estigma social que enjaula e impede o potencial humano de se desenvolver. O convite é para que se observe que o conceito de padrão, estendido para além do campo das ciências exatas, pode alimentar preconceitos e favorecer a exclusão, salvaguardando a desigualdade.
Conscientização e Ações afirmativas
Ações de conscientização, que orientem em favor da diversidade e da não-exclusão, são fundamentais para uma sociedade mais fraterna. Elas são sempre bem-vindas no processo educativo da “inclusão/não-exclusão”.
Um exemplo inspirador é o da ONG Safernet, que tem ajudado pessoas de todo o país, atendendo a crianças, adolescentes, pais, educadores e adultos em geral, através de um canal de ajuda e orientação referente às situações de humilhação (bullying). Em 2018, a Safernet ofereceu um curso de formação à distância, onde formou mais 7 mil educadores da rede pública de ensino. Parece pouco, mas tais atividades beneficiaram indiretamente mais de 2 milhões de usuários da internet.
Apesar de não ser validado por toda a sociedade, existe no país um programa de ações afirmativas, que são políticas públicas preventivas e reparadoras no sentido de favorecer indivíduos que historicamente são discriminados.
Segundo a ONU, o Brasil avançou bastante nesse sentido na última década, em especial pela agenda positiva de redução das desigualdades e ampliação das oportunidades educacionais para membros de grupos historicamente discriminados e marginalizados. Algumas dessas ações, no entanto, estão sendo revistas pelo governo atual, o que coloca os professores em estado de alerta: na medida em que diminuírem as oportunidades de convívio entre os considerados diferentes, aumentará o desafio do educador em relação a essa delicada tarefa de “ensinar para a Inclusão”.
Como afirma Joelson A.Onofre, professor de Filosofia e especialista em Educação e Relações Étnico-Raciais, “os educadores necessitam de apoio técnico e acompanhamento pedagógico para reavaliarem suas práticas assim como ajudarem seus alunos na prazerosa tarefa da busca pelo conhecimento.
Ele lembra ainda que isso exige dos/as educadores formação, pesquisa e experiência, mas que os efeitos positivos da prática da educação inclusiva podem ser percebidos quando educadores, familiares e toda a comunidade compreendem que o objetivo da educação inclusiva é garantir que todos os educandos, com ou sem deficiência, participem ativamente das atividades propostas pela escola e na comunidade.”
Eis o primeiro dos desafios: o fato de os educadores, de modo geral, não receberem orientação e o apoio de que necessitam, uma vez que a teoria difere da prática, e sentem-se incapazes de realizar a tarefa que lhes é destinada.
Aqui entra também a importância da tomada de consciência: tanto o educador quanto a instituição escolar, em si, precisam ter clareza do seu papel. Se as atividades propostas pela escola não acolherem ou valorizarem as diferenças, a sensação de incoerência será inevitável.
Essa estranheza poderá diminuir com um trabalho conjunto, entre escola e família, quando dispostas a exercitarem a democracia dialogando sobre suas dificuldades e se unindo para encontrarem, juntas, respostas para suas perguntas.
Realizando uma prática coletiva coerente, aceitando as realidades e respeitando o processo de cada um na superação dos desafios, aprender sobre inclusão se torna possível e a sociedade só tem a ganhar.
Afinal, inclusão não é um modismo, e sim um convite à transformação, e desafia cada um de nós a mudarmos os paradigmas que impedem a evolução da sociedade.