Mais um ano se inicia, e com ele nossa esperança de ver os brasileiros sendo agentes das transformações que desejam para a nossa sociedade

por Helô Bueno

Neste momento da história em que a economia global desacelera, as moedas desvalorizam, as previsões de expansão diminuem enquanto Estados Unidos e China travam uma guerra comercial que afeta a todos, o Brasil anuncia um “ritmo mais forte de crescimento econômico desde o início da crise” (segundo Infomoney), que se deve, em especial, à liberação de recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), que aqueceu o mercado neste último trimestre de 2019.

Se considerarmos o Índice de Desenvolvimento Humano, no entanto, que é medido a partir dos pilares: saúde, conhecimento e qualidade de Vida, o Brasil ocupa atualmente a 79ª posição (entre os 189 países analisados) e há o risco de queda, uma vez que a restrição ao acesso a estruturas da ciência, tecnologia e inovação prevê, entre outros aspectos, um inevitável aumento da desigualdade social.

Portanto, o cenário ainda é desfavorável para aqueles que acreditam no potencial nacional de desenvolvimento humano como um pilar de fortalecimento de uma nação “tão jovem” quanto é o Brasil.

“Quem tiver olhos, veja!”

O alemão Martin Hilbert, 39, doutor em Comunicação, Economia e Ciências Sociais e professor da Universidade da Califórnia, alerta: “O fluxo de dados entre cidadãos e governantes pode nos levar ao que George Orwell previa em 1948, quando mencionou em seu livro “1984” o risco de uma “ditadura da informação”, alegando que “não estando preparada para a era digital, a democracia está sendo destruída.”

Desde que os políticos começaram a usar a tecnologia para influenciar e mudar a mente das pessoas, as informações passaram a ser selecionadas para o alcance de nichos formados por medos e anseios comuns, visando atender o interesse de elites políticas, financeiras e empresariais. No entanto, as populações em geral ainda não parecem enxergar esta realidade.

Como já dizia Leonardo da Vinci, 500 anos atrás: “Há três tipos de pessoas: as que veem, as que veem quando alguém lhes mostra e as que não veem.” Esta observação pode levar a crer aos mais conscientes e otimistas, o quanto importa “continuar mostrando” que existem realidades que estão sendo encobertas pelos índices do desenvolvimento econômico, na esperança de que também vejam.

Enquanto isso, os que se bastam com os resultados dos índices econômicos, mostrando-se satisfeitos e otimistas, procuram mostrar aos que ainda não veem, o quanto tudo está certo e positivo.

Outros brasileiros, porém, menos otimistas, preferem apenas permanecer vendo o que veem e categorizarem todos os demais como “incapazes de ver”, desistindo assim de dialogar com gente da sua própria convivência, afastando-se de amigos e familiares, isolando-se. Para estes, “não adianta mostrar coisa alguma a alguém que não quer ver.”

Este desafio começou a ser enfrentado por um grande contingente de pessoas a partir do aumento do uso das fake news nas redes sociais, e continua, independentemente do tipo de pessoa que cada um seja e das escolhas que faça diante da realidade que vê (ou não).

Sendo assim, parece que seguiremos fadados a uma comunicação fragilizada e inconstante por mais um tempo ainda. O que se propões aqui, portanto, é que possamos enfrentar um novo desafio: o de olhar para a realidade como algo que pode ser mudado.

Resiliência e atitude podem mudar a realidade

Citarei dois fatos inspiradores que observei nos últimos dias deste ano, que ilustram tal afirmativa:

  1. Informa o jornalista e escritor Vitor Paiva que no ano passado todos os 10 alunos que se reuniram na laje de uma casa na Favela Nova Holanda (no Complexo da Maré) para estudarem para o vestibular, foram aprovados em universidades estaduais do Rio de Janeiro. Estes estudantes, bem como os professores que se voluntariaram nesse projeto, viram suas realidades transformadas.
  2. O uso de pesticidas vem aumentando, mesmo já tendo sido provado que além de afetar o meio ambiente e a saúde dos trabalhadores nas fazendas, tem um impacto negativo na população de abelhas e, consequentemente, em todo o ecossistema. Por outro lado, encontram-se em crescente número os agricultores que recusam essa realidade e optam por métodos naturais de controle das pragas.
    Cresce também o número de pessoas que preferem adquirir produtos orgânicos e integrais (apesar de o custo ser maior, devido às leis de certificação e à mão de obra especializada que a cultura desses produtos requer), trazendo uma nova condição à própria saúde e bem-estar. Ou seja, estão interferindo na “realidade”, de modo a transformá-la.

Podemos observar duas situações distintas que ilustram o poder da atitude oriunda da resiliência, mas haveria centenas de outros exemplos inspiradores capazes de mostrar que o potencial de mudança de realidades depende de atitudes que devolvam significado às pessoas incomodadas com o que veem.

O desafio que aqui se lança é o de recusar o que não faz sentido, reclamando menos e agindo mais em favor do resgate daquilo do que é de valor para cada um. Trata-se da busca primordial pela efetivação da coerência entre o que se vê e o que se espera (ou deseja) ver.

Para cada ponto crítico observado em relação ao desenvolvimento humano, há iniciativas que representam alternativas em favor da preservação da vida, da justiça, da igualdade… O ser humano, quando conectado à sua verdade, brilha em meio ao caos e faz-se valer, para além do desânimo que possa advir da realidade que o assusta. Assim, seu propósito é assumido e, naturalmente, outras pessoas se juntam a ele; em busca de coerência, novas realidades se tornam possíveis e o país evolui, ainda que em pequena escala.

Fica aqui um convite em favor da resiliência. E uma lembrança especial, não apenas para o ano novo, mas para a década que se inicia: é preciso nos conectarmos à realidade que queremos ver, dando os passos necessários e seguindo numa direção que conduza a ela. E juntamente a isso, nos conectarmos com aqueles que tem o mesmo propósito que nós, pois é na coletividade que potencializamos as ações e tornamos reais os sonhos em comum.

Um brinde às conexões essenciais. E que venha 2020!